Dr. Henrique Mourão fala ao jornal Vice , sobre o Decreto Presidencial que considerou o desastre da barragem em Mariana ( Desastre Natural ).
É Possível um Decreto Federal Isentar a Responsabilidade da Samarco pelo Desastre em Mariana?
Para permitir que as vítimas do rompimento de barragens em Bento Freitas possam sacar o seu FGTS e arcar com os danos, a presidente Dilma Rousseff assinou em 13 de novembro o Decreto Federal nº 8.572/2015 que enquadra "rompimento ou colapso de barragens que ocasione movimento de massa, com danos a unidades residenciais" como um desastre natural. O decreto gerou uma comoção negativa em relação à atitude do Executivo, e muitos estão se perguntando se a SAMARCO realmente será enquadrada como responsável pelo incidente.
Mas será que um decreto federal, assinado para suprir uma demanda emergencial, consegue sozinho isentar uma empresa que conseguiu matar o Rio Doce, acabar com a fauna local e também deixar milhares de pessoas desabrigadas?
Desde 2004, por meio também de um decreto federal, é possível que o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) seja sacado antecipadamente pelo trabalhador "em situação de emergência ou em estado de calamidade pública". No caso do decreto 8.572/2015, o texto foi redigido para conseguir adequar as vítimas do rompimento da barragem de Fundão em Mariana (MG) no rol de situações que permitem o saque.
"Considero decreto muito positivo", explica Úrsula Ribeiro de Almeida, advogada na área de direito ambiental e mestre na Universidade de São Paulo em Processo Civil, que também acredita que a decisão assinada pela presidente não irá interferir em nada na questão da responsabilidade da SAMARCO pelos danos ambientais e muito menos impedirá que as pessoas que se valeram do FGTS não possam pedir indenização na justiça.
"A responsabilidade em casos de dano ambiental é objetiva, ou seja, ainda que a empresa não tenha causado o dano intencionalmente, ela responderá de qualquer forma pelos prejuízos. Isso irá se comprovar numa Ação Coletiva na qual as pessoas que foram afetadas comprovarão que os danos decorreram da SAMARCO, que exerce uma atividade considerada de risco", frisa.
A responsabilidade objetiva está consolidada na Constituição Federal e não isenta nenhuma empresa que, por negligência, imperícia e imprudência, tenha causado um dano ambiental. No caso da empresa de mineração, a multa aplicada pelo IBAMA de R$ 250 milhões e o acordo extrajudicial de criar um fundo de R$ 1 bilhão para arcar com os prejuízos continuam valendo.
Ainda assim, muitos juristas não concordaram com a atitude do Poder Executivo e temem que o decreto possa ser utilizado de maneira mal intencionada pelos advogados de defesa da empresa para minimizar a culpa no incidente.
"Isso é um estelionato contra a lei do FGTS, porque foi usado um argumento falso. Esse evento não foi um evento natural, foi provocado por uma negligência que ainda está sendo apurada", contesta o advogado Henrique Augusto Mourão, presidente da Comissão de Direitos Difusos da OAB de Minas Gerais e membro da Comissão Nacional de Direito Ambiental. Para ele, o meio utilizado pela presidente é inconstitucional por criar um fato inexistente para justificar o saque.
"Vendo isso numa consequência mais adiante, é [possível] que as empresas podem se aproveitar dessa declaração, já que (...) o próprio governo está dizendo através de um decreto que foi um evento natural. Pessoalmente, acredito que é um estelionato fabricado pelo governo para justificar um fim, utilizando a máxima da política social de que 'os fins justificam os meios'. "
Mourão, que já visitou os locais afetados pelo rompimento de barragens, demonstra uma preocupação séria com o decreto. "Ele tem uma boa intenção, mas cria situações jurídicas ruins. O papel pode aceitar tudo, mas isso não é mais assim que funciona. As leis não podem ser editadas com falsas declarações, elas precisam atender princípios de equilíbrio e racionalidade."
A advogada ambientalista, embora considere o decreto positivo, acredita que a discussão acerca do texto dele é pertinente. "Não é um desastre natural porque isso não decorreu de um ato espontâneo da natureza. Decorreu de uma atividade de risco de mineração. Sim, foi um texto que poderia ter sido mais bem redigido. Acredito que, pela urgência, esse texto acabou assim."
Em nota, o Ministério da Integração Nacional esclareceu que "o objetivo é estender os benefícios à população atingida pelo rompimento da barragem em Mariana. O saque é opcional. O valor máximo é de R$ 6.220 (seis mil, duzentos e vinte reais)".Após severas críticas à medida, a Casa Civilpublicou uma série de tuítesdizendo que, "de forma alguma, [o decreto] exime as empresas responsáveis pela reconstrução das moradias dos atingidos ou do pagamento de qualquer prejuízoindividual ou coletivo; haja vista o processo de apuração em andamento e as multas já aplicadas pelo Ibama".